Um micro conto no universo de Serralves, para inspirar todos os participantes do concurso de RPGs que estamos a promover AQUI.
O último mestre violinista
Uma nota aguda encheu o túnel reforçado com betão avermelhado, cinquenta e seis quilómetros abaixo da superfície. Uma dezena de camadas de rocha, escória, ferro, túneis e casernas abandonadas separavam o emissor do receptor mais próximo. Só o músico ouvia a triste canção que o último Stradivarius do universo tinha para cantar.
O violinista tocava um último concerto, em honra dos camaradas de luta que haviam sido presos naquela manhã sob a acusação de conspirarem contra a Aliança Humana. Como se fosse conspirar o simples desejo de serem livres. Em breve viriam mais soldados da Terra, aquele planeta que os havia botado ali e só se lembravam deles quando o preço do minério subia.
As lágrimas enchiam os olhos e rolavam pelo rosto do violinista, mas nem assim a imagem da recém-criada bandeira marciana a ser rasgada lhe saía da mente. Uma revolta falhada, um grito do Ipiranga afónico que decerto acabaria em sangue. Não devia faltar muito até os soldados encontrarem os esconderijos dos independentistas. Quantos saberiam no planeta que eles se escondiam nas minas desactivadas? Qual deles seria o primeiro a denunciá-los?
Algo bateu na porta de aço reforçado, amolgando-a. Eles estavam a chegar. O violinista não parou de tocar. Não temia pela sua vida, não era isso que os soldados vinham buscar. Era o que tinha entre mãos que queriam ver destruído. Para eles, uma ofensa cultural, um motivo de divisão dos povos da Terra, uma testemunha de um passado vergonhoso; para o violinista, o último resquício de beleza que veriam.
Activou a bomba e esperou que os soldados entrassem.
Com poucas palavras se conta muito. Um bom micro-conto 🙂