No passado dia 16, 17 e 18 de Setembro a Imaginauta esteve presente no Festival Vapor através da instalação literária À Sombra da Leitura.
Um espaço de descanso e descoberta do melhor que se faz em literatura curta de ficção especulativa em Portugal. Em adição aos contos da Colecção Barbante, que normalmente podem ser encontrados, a Imaginauta recuperou ainda de antigos Almanaque Steampunk três bandas-desenhadas steampunk ilustradas por Rui Alex e com palavras de Rui Leite e AMP Rodriguez.
No passado dia 2 de Setembro a Biblioteca de Marvila encheu-se corajosos visitantes para participar numa leitura imersiva de contos de terror.
Atrás da luz vermelha do Guia, o grupo seguiu de sala em sala, onde em cada uma os esperava um novo conto, uma nova história de arrepiar e acalentar os pesadelos de cada um.
A palavra foi rainha e carrasco num serão único que ainda antes de acabar já deixava saudades. “Espero que haja de novo para o ano!”, disseram-nos. Obrigado a todos os que vieram e um especial agradecimento à Biblioteca de Marvila que acolhe as nossas ideias de promoção da literatura de ficção especulativa.
O evento foi organizado pela Imaginauta no âmbito dos Serões nas Bibliotecas de Lisboa de 2022 que ofereceu uma programação de música, conversas, cinema, jogos, histórias contadas e espaços abertos ao convívio para toda a família todas as quintas e sextas até às 22h, nas Bibliotecas de Alcântara, Marvila, Orlando Ribeiro e Palácio Galveias.
Os contos da autoria de Ana Cláudia Dâmaso, António Bizarro, Mário Coelho (lido por André Sobral) e Pedro Lucas Martins representam o trabalho de uma nova geração de autores portugueses de literatura negra.
De cima para baixo: André Sobral, Carlos Silva (Imaginauta), António Bizarro, Ana Cláudia Dâmaso, Rita Pires (Guia – Imaginauta) e Pedro Lucas Martins.
No artigo abaixo pretende-se dar umas linhas gerais do que se tem de ter em consideração quando se decide o preço de um livro.
Um aviso à navegação: os valores que irão ser partilhados não são, nem pretendem ser, o padrão da indústria, ou uma verdade indiscutível. Cada caso é um caso e melhores ou piores condições podem ser negociadas, dependendo das especificidades do livro, editor, livraria ou distribuidor. O seguinte artigo corresponde à visão pessoal de Carlos Silva. Aceitam-se sugestões de correcção ou melhoria.
Primeiro de tudo, há três conceitos que irão ser usados neste artigo que é preciso definir:
Custo – Quanto é que se tem de pagar para que o livro seja produzido.
Preço (P.V.P.) – Preço de Venda ao Público. Quanto é que o leitor terá de pagar para comprar o livro.
Valor – A importância (por vezes difícil de definir em euros) que o leitor atribui ao livro. Será também aqui utilizado como a importância que o leitor está disposto a gastar para comprar o livro.
Num mundo ideal, para o livro ser economicamente viável per se, o custo terá de ser menor que o preço, que por sua vez é menor, ou muito próximo do valor. Mas nem sempre um livro é viável economicamente por si só; por vezes está inserido num plano editorial a longo para para aquele autor ou coleção, onde a viabilidade se mede no total dos vários títulos vendidos.
Lei do Preço Fixo
Uma nota importante acerca do P.V.P. é que em Portugal o preço de um livro está sujeito à “lei do preço fixo”. Esta lei pretende proteger os pequenos livreiros da capacidade negocial das grandes livrarias de impor grandes descontos. Muito resumidamente, a Lei do Preço Fixo estipula que durante os primeiros 24 meses do livro no mercado este tem de ser vendido com o mesmo P.V.P. em todo o lado, só podendo ter um desconto até um máximo de 10%. Em ocasiões particulares (e.g. feiras do livro devidamente comunicadas) o desconto pode ir até 20%. Para conhecer mais a fundo esta lei, sugerimos a leitura do manual do IGAC.
Como é a anatomia do P.V.P. de um livro?
Vamos assumir um livro com um P.V.P. de 20€.
Os livros têm (actualmente) um IVA de 6%. Isto significa que dos 20€ que o leitor paga pelo livro, 1,2€ são entregues ao estado. Restam assim 18,8 €/livro. Desses 18.8€, cerca de 40% a 60% (vamos assumir o extremo 60%) são destinados à livraria e ao distribuidor (numa distribuição 20/40, 30/30, 40/20, dependendo do acordo entre os dois). Quando um editor vende diretamente a partir do seu site ou numa feira do livro pode evitar ter de partilhar o valor do P.V.P. com o distribuidora e livreiros, mas aí entram custos de envio ou de participação nos eventos.
Grandes grupos editoriais têm as suas próprias distribuidoras (um negócio que só faz sentido quando se tem um grande catálogo para distribuir, beneficiando da economia de escala) o que lhes dá mais poder nesta “anatomia do P.V.P.”, incluindo uma maior capacidade negocial com as livrarias.
Um arranjo pouco comum em Portugal é certos livros serem exclusivos de uma livraria, ou de uma cidade. Isto seria interessante pois permitiria ao editor poupar do lado da distribuição, ao mesmo tempo que se aumentava a diferenciação da oferta das livrarias. Porém, isto seria feito a custo do alcance do livro, que num país de tão poucos potenciais leitores pode não ser viável.
Sobram então 40% do P.V.P. (fora IVA) para o editor, ou seja 7,52 €/livro. Deste valor, entre 5% a 15% (vamos assumir 10% – 1.8 €/livro) é normalmente destinado a royalties, ou seja, o valor de cada livro que é destinado ao autor. Maiores royalties são normalmente acordadas com autores best seller ou em segundas edições, altura pela qual normalmente os custos fixos já foram pagos.
Depois de pagas as royalties, restam 30% (5.64€/livro) para cobrir os custos de produção do livro, incluindo overheads (i.e. custos associados ao negócio em si como salários dos trabalhadores, fotocópias dos contratos, papel higiénico para o WC da sede da editora…) e a margem de lucro.
Para um livro feito em auto-edição é nestes 30% que tem de caber os custos de revisão, paginação, capa, impressão, marketing, entre outros.
Imprimir um livro
Por esta altura alguns estarão a perguntar: mas então quanto fica realmente imprimir um livro?
A título de exemplo, em impressão digital (parecido às impressoras que temos casa), uma tiragem de 200 exemplares de um livro em formato A5 com badanas, a preto e branco, com 350 páginas fica a cerca de 4 €/livro (Esta estimativa foi feita usando apenas um fornecedor-tipo. É recomendado pedir vários orçamentos para comparar preços, especialmente com a inflação que se tem sentido nestes últimos meses). Para grandes tiragens a impressão em offset (técnica de impressão usando rolos com tinta) consegue-se ainda custos por exemplar mais baixos.
Impressão Digital
Impressão Offset
Apropriado para tiragens pequenas/médias. A partir de uma certa quantidade o preço/livro torna-se constante.
Apropriado para grandes tiragens. Demasiado caro para pequenas tiragens.
Boa qualidade de impressão (dependendo do equipamento)
Óptima qualidade de impressão com cores consistentes entre o ficheiro digital e o livro final e entre cópias do mesmo livro.
Rapidez de produção a pedido.
Necessita de uma preparação mais longa e as tintas levam tempo a secar. No entanto, em grandes tiragens permite fazer mais livros em menos tempo.
Ou seja, este exemplo, os custos de impressão representariam cerca de 21% do P.VP. (excluindo o IVA).
É importante nesta fase deixar uma palavra de atenção acerca das gráficas. Ao longo destes anos tenho tomado conhecimento de exemplos de autores que decidiram enveredar pela auto-publicação que ao se dirigirem às gráficas foram apresentados com um conjunto de opções premium para os seus livros (e.g. gramagens maiores, capa dura, plastificações especiais, letras em relevo e metalizadas, lombadas cosidas, sprayed edges, etc…).
A tentação é grande, afinal não há dúvida nenhuma que alguns destes extras contribuem para um muito melhor aspeto do livro ou prolongamento da sua longevidade. Nesta fase é importante perceber se o aumento de custo irá ser acompanhado por um aumento de valor percepcionado pelo leitor. Um aumento do custo de impressão em 0,5 €/livro neste exemplo corresponde a um aumento de cerca de 2,5 €/livro no P.V.P. (excluindo o IVA).
Depósito legal
Todos os livros publicados em Portugal devem enviar uma cópia (ou 11, se a tiragem for superior a 100 exemplares, ou superior a 300 exemplares no caso das edições de luxo) à Biblioteca Nacional. O envio destes livros é da responsabilidade da gráfica, se esta for portuguesa, ou do editor, caso a impressão seja feita no estrangeiro. É usual o número de depósito legal constar da ficha técnica do livro, pelo que este deve ser requerido antes da impressão dos livros.
Para ajudar à catalogação e especialmente caso o livro entre na distribuição geral é também útil requerer o ISBN (número de livro padrão internacional). Trata-se de um número com 13 dígitos único para cada livro e que identifica o país e editor. Em Portugal é a APEL quem emite e gere os ISBN cobrando entre 4,5 € a 15 € por ISBN (dependendo da quantidade de números comprados). Só é necessário um ISBN por título. Na maior parte dos casos, o código de barras de um livro corresponde ao seu ISBN.
Custos fixos
No fim, neste exemplo, sobram 9% do P.V.P. (excluindo o IVA) para todos os outros custos e margem de lucro do editor. Uma parte destes custos são custos fixos. Ou seja, custos que caso sejam impressos 2 livros ou 2 milhões não se alteram, como o custo de revisão, custo do ISBN, ou o custo da capa.
Para se fazer uma boa decisão comercial acerca do P.V.P. é necessário fazer uma estimativa de quantos livros se espera vender e por que canais (um livro vendido online do editor/autor para o leitor tem uma margem de lucro muitor maior do que um livro vendido através de uma livraria fornecida por um distribuidor).
Esta estimativa é também útil para perceber qual a tiragem a fazer. Assumindo que se espera vender 1000 exemplares poderá ser uma melhor opção a impressão offset do que impressão digital; mas caso a estimativa esteja errada, acaba-se por ficar com um valor total gasto em impressão maior sem hipótese de ser recuperado em vendas.
Como escolher o preço de um livro?
Estando todos os custos listados e as vendas estimadas, o preço mínimo por livro não será difícil de calcular. É depois do primeiro valor estimado que se verifica a necessidade de ajustar alguma das parcelas do P.V.P., seja reduzir os custos de impressão, seja investir numa campanha de marketing que irá aumentar o custo da tiragem, mas trazer mais vendas.
Por exemplo, uma capa apelativa pode ser mais cara, mas se trouxer mais leitores, é um custo fixo que pode acabar por se diluir no número de cópias vendidas.
Por fim, é necessário ter em atenção que o preço não é apenas um valor técnico, mas também uma ferramenta de marketing. Preços baixos poderão tornar o livro acessível a um número maior de leitores, ou apresentar um baixo risco para alguém experimentar um autor novo; por outro lado poderá também sinalizar ao leitor que o livro tem um baixo valor (mesmo sendo da mesma qualidade ou até melhor que outros livros com preços mais altos). É necessário perceber como é que o P.V.P. do livro em causa se posiciona em relação aos competidores e como se equipara em termos de valor.
No próximo dia 2 de Setembro às 21h00 na Biblioteca de Marvila temos preparado um serão de contos de terror onde a palavra é rainha e carrasco.
4 histórias de terror nunca antes ouvidas, escritas de propósito por 4 autores portugueses para esta evento, serão lidas ao vivo para aqueles que se atreverem a vir.
Uma experiência imersiva e única não recomendada a corações sensíveis.
Contos de:
Ana Cláudia Dâmaso António Bizarro Mário Coelho Pedro Lucas Martins
Leituras por:
Ana Cláudia Dâmaso André Sobral António Bizarro Pedro Lucas Martins
Entrada livre. Para maiores de 16 anos. Recomenda-se que se chegue 15 minutos antes do começo do serão.
E depois de um mês de Agosto cheio de calor e boas leituras, eis que o Clube de Leitores de Marvila retorna.
Na sessão de 17 de Setembro (às 15h na Biblioteca de Marvila, como sempre), o tema é Ciência.
Das curiosidades às Teorias Do Tudo, os livros de divulgação científica caminham na fina linha entre informar e entreter. Que mundos estes livros que revelaram?
Vamos falar de livros técnicos, de divulgação e até…quem sabe…ficção.
Ao comprar livros através do nosso link, estás a contribuir com uma pequena percentagem (sem custo adicional para ti) para apoiar o projeto Imaginauta.
Tens um manuscrito na gaveta? Um livro que sentes que está pronto para ser mostrado ao público em geral e não sabes que opções tens? Então este artigo é para ti.
O seguinte artigo corresponde à visão pessoal de Carlos Silva. Aceitam-se sugestões de correcção ou melhoria. Como tudo, não existem regras absolutas e há sempre excepções. Este artigo pretende apontar linhas gerais e dar ferramentas para iniciantes neste mundo.
Existem duas grandes vias para publicares um livro: através de uma editora ou autopublicação. Cada uma com as suas vantagens e desvantagens, que já discutiremos a seguir.
Existem empresas que se fazem passar por editoras que imprimem livros a troco do autor pagar ou garantir um número mínimo de vendas. São as chamadas Editoras Vanity. Elas têm muitas formas e “esquemas” que lubridiam até pessoas bastante experientes no meio. Ao longo deste artigo vamos falar de algumas destas maroscas, mas para começar há uma primeira pergunta que permite separar muito trigo do joio:
Quem é a fonte de rendimento de quem publica?
Se forem os leitores – é uma editora.
Se forem os autores – é uma vanity.
Em resumo, para quem não quiser ler o artigo abaixo, as vantagens e desvantagens de publicar por uma editora ou auto-publicação.
Publicação por uma editora
Auto- publicação
O livro passa por um filtro de qualidade exterior.
É o autor que decide se o livro tem qualidade para ser publicado ou não.
Não há qualquer custo para o autor.
Todos os custos recaem sobre o autor
O autor recebe uma percentagem do valor das vendas (royalties), ou uma quantia fixa inicial, ou uma quantia fixa inicial mais royalties.
O autor recebe a totalidade do valor da venda do livro.
A editora é responsável pela edição e revisão.
O autor pode (ou não) contratar um serviço de edição/revisão.
A capa, acabamentos, paginação, estratégia de marketing são decididos pela editora (de preferência em diálogo com o autor).
A capa, acabamentos, paginação, estratégia de marketing são decididos e feitos pelo autor (ou através de serviços que este contrate).
O livro está inserido num catálogo e numa estratégia editorial.
O livro não está inserido num contexto editorial.
A promoção do livro é feita pela editora com a colaboração do autor, tendo um alcance potencialmente maior.
Recai sobre o autor toda a promoção do livro, tendo um alcance limitado pela capacidade do autor.
As vendas, sua faturação, logística, etc… fica a cargo da editora.
As vendas, sua faturação, logística, etc… recai sobre o autor.
1. Publicar por uma editora
As editoras atuam como “selo de conformidade”. Isto é: são um filtro entre os milhões de escritores do mundo (publicados ou não) e os leitores. Quando um leitor pega num livro publicado por uma editora confia que este tem um mínimo de qualidade e que se insere no contexto de um catálogo editorial com o qual o leitor se identifica.
É verdade que muitas editoras simplesmente vão à Feira de Frankfurt (ou equivalente) e compram os direitos dos livros que fizeram sucesso lá fora ou que vão ser adaptados a uma série da Netflix, mas até isso acaba por ser uma linha editorial.
Portanto, submeter um original a uma editora é tentar passar por esse filtro de qualidade. É importante para o autor, antes de enviar o que quer que seja, encontrar uma editora com que se identifique, cujo filtro de qualidade respeite e cuja a estratégia editorial/catálogo tenha algo a ver com o livro que vamos submeter (e.g. não vale a pena enviar um manuscrito a uma editora que só publica clássicos de autores mortos há mais de 70 anos). Uma pergunta que pode ajudar é: que editora publica os livros que gosto de ler dentro do género que escrevo?
Noutros países, como nos Estados Unidos, existe a figura do agente, que essencialmente é um representante do autor que irá apresentar o manuscrito a vários editores. Funciona como um pré-filtro, uma vez que em primeiro lugar os autores têm de convencer o agente a representá-los. O agente apenas ganha algo quando o livro é aceite para publicação através do dinheiro que o livro gera e os autores não têm que lhes pagar pelos serviços diretamente. Se algum dia um agente literário vos pedir dinheiro, fujam.
Voltando ao caso português padrão: depois de escolhida a editora está na hora de fazer a submissão do manuscrito.
Escrever uma carta de apresentação em que se apresenta o que se está a enviar.
Informações técnicas: título, número de palavras, se é um primeiro volume de vários…
De que trata a história, tanto o enredo como os principais temas.
Quem é o autor? Por favor, não incluam o cliché “Desde pequenino que gosta de contar histórias”. Quais os seus feitos literários (e.g. prémios) e extra literários?
Se a editora tem normas de submissão, ler com atenção e seguir as instruções.
Se não, enviar o original do modo que melhor facilitar a leitura. Utilizar um tipo de letra padrão (enviar manuscritos em comic sans é um risco), um formato acessível (e.g. pdf abre em todos os PCs),
Há que saber lidar com a rejeição. Quando um editor informa que não quer publicar o nosso livro, nem sempre quer dizer que o original é mau. Por vezes quer dizer que não corresponde ao gosto do editor, ou não se enquadra na estratégia editorial. Ou então… quer mesmo dizer que o livro ainda não está pronto para ser publicado. São muitos famosos os casos como o da J. K. Rowlling cujos manuscritos foram rejeitados por diversos editores e depois se tornaram best sellers, mas há que ter a humildade de reconhecer que há muitos mais rejeitados que não tinham qualidade.
Claro que custa quando vemos livros bastantes piores que o nosso publicados… Lembrem-se escritores de todo o mundo: despeito é uma fonte de motivação plenamente válida para continuar a escrever.
Sendo o leitor o principal cliente de uma editora, é função desta extrair o máximo potencial do manuscrito submetido. Após este ser aceite para publicação segue-se o processo de edição, em que o editor, através da sua experiência e visão exterior da obra, aponta fraquezas e sugere melhorias. É um processo negocial que muitos autores têm dificuldade em aceitar e que se nota em demasiados livros que não aconteceu. Não confundir edição com revisão, que é a correção de erros ortográficos e sintáticos.
É também função da editora paginar, criar uma capa, materiais promocionais e uma estratégia de marketing, de preferência em diálogo com o escritor.
Por fim, a promoção do livro. Esta é feita pela editora, em colaboração com escritor. Aqui é fácil perceber que o alcance do escritor (amigos, família, fãs, círculos sociais em que se mova) pode ser aumentado através do alcance da editora (historial no mercado, leitores fiéis, canais de distribuição e promoção estabelecidos).
O alcance possível é uma das principais variáveis que influenciam o sucesso comercial de um livro (não confundir com qualidade literária). A existência de uma plataforma de possíveis compradores (que nem sempre coincide com os possíveis leitores) prévia à publicação do livro, por exemplo através das redes sociais, onde vais partilhando excertos do livro, ou por seres um dos concorrentes mais populares do reality show da moda, é algo que reduz imenso o risco associado ao investimento da editora.
Muitas vanities apresentam-se como editoras, anunciando que fazem todos estes serviços e que o autor não tem de se preocupar/pagar com nada, mas (e é os “mas” que nos devem meter alerta) o autor tem de garantir que é vendido um número mínimo de exemplares para a publicação acontecer. Esta condição pode surgir tanto na forma de uma quantidade de exemplares que o autor compra (“Não te preocupes, dizem eles, vai ser fácil vendê-los no dia do lançamento.”) ou na forma de pré-venda (“A publicação só vai para a frente se conseguirmos vender este número de exemplares.”). Se pensarmos, o que esta prática faz é retirar o risco do lado da editora, que deixa de ter de se esforçar para servir o melhor possível o leitor pois, antes sequer do livro sair, já pagou o trabalho que irá ter com ele.
2. Autopublicação
Primeiro de tudo, é preciso tirar o estigma: os livros autopublicados não são inerentemente maus.
É verdade que um autor pode ter uma ideia sobre-valorizada das suas próprias capacidades e atirar cá para fora uma obra que pertence ao ecoponto azul. No entanto, tal como acontece no mundo da música, a autopublicação tem o potencial de revelar obras que estão em contra-corrente com a cultura dominante, autores desconhecidos demasiado arriscados para as editoras, ou até obras com um público de nicho que não justificam o investimento de uma editora.
A auto-publicação pode ainda ser o caminho de quem quer fazer algo de menor ambição de alcance: editar um livro para oferecer a familiares e amigos no Natal; criar um livro com a história da Associação Cultural onde se faz voluntariado, para circulação interna; para vender como material de estudo no curso de macramé que se está a organizar.
Na auto-publicação o autor chama a si todas as responsabilidades envolvidas na produção de um livro: escrita, edição, revisão, paginação, capa, registos legais (ISBN, depósito legal…), impressão (se não for um ebook), escolha do preço, distribuição, faturação, promoção…
O autor pode assumir uma postura auto-didata e fazer todas estas tarefas ou sub-contratar algumas ou todas elas a várias ou a uma empresa. A liberdade é total! Muitos autores consideram que tudo isto lhes rouba muito tempo e que podiam estar a escrever em vez de pedir orçamentos a gráficas; outros consideram que o trabalho vale a pena pelo controlo total sobre o processo; outros ainda pagam a uma empresa de serviços editoriais para não terem de pensar nisso.
No caso da sub-contratação é essencial encontrar bons prestadores de serviços e consultar o máximo de opiniões externas honestas possíveis. Todos nós temos os nossos ângulos mortos e aquela capa que achamos fantástica porque mostra exactamente as imagens mentais que tivémos ao escrever o livro pode ser extremamente pastiche para a generalidade dos possíveis leitores.
Uma palavra de atenção: os prestadores de serviços editoriais não são editoras. Alguns adoptam comportamentos e práticas a simular as de editoras, o que acaba por os colocar mais próximos das vanity. Outras práticas tal como colocar o seu logotipo na capa dos livros, ter publicidade aos seus serviços ou apresentarem-se como editores no evento de lançamento não favorecem o autor, que acaba por fazer publicidade à empresa de serviços através do livro que ele está a pagar para produzir. É um pouco como contratar alguém para pintar a casa e acabar com um “Manuel & Filhos Pinturas Lda.” escrito na parede por cima do sofá.
Prestadores de serviços que acumulem muitas valências são bastante práticos para os autores, uma vez que permitem que num só contrato cubram toda a cadeia de valor de um livro. Porém é preciso não descurar possíveis conflictos de interesse (e falta de profissionalismo): um prestador que faça impressão e distribuição de livros pode pressionar que mais exemplares sejam impressos para distribuição; um prestador que seja impressor de livros e paginador/capista pode pressionar que se escolham acabamentos mais caros; um prestador que faça edição e revisão paga à palavra talvez pense duas vezes antes de sugerir cortar substancialmente o comprimento do texto… Isto são tudo exemplos hipotéticos, alguns até pouco verosímeis, mas que poderão ajudar os autores a estarem atentos.
Antes de começares todo o processo lista todas as despesas que vais ter (pede vários orçamentos para teres uma base de comparação), calcula quantos livros e a que preço terás de os vender para recuperar o dinheiro investido (isto claro, se for uma preocupação) e estabelece um cenário de vendas pessimista e um realista. Define se as tuas finanças pessoais podem comportar o cenário pessimista. Há uma grande componente emocional em publicarmos uma obra nossa e, dependendo da personalidade de cada um, que tanto pode encorajar como desencorajar em seguir em frente. De novo, procura aconselhar-te com pessoas em quem confies.
Nesta fase muitos autores ficam surpreendidos com o peso relativamente pequeno da impressão do livro em si em relação ao PVP (preço de venda ao público). Faremos em breve um artigo sobre isso. No entanto, é preciso ter em conta que nem todos os livros têm de ser impressos. Serviços como os da Smashwords e a Amazon Kindle Direct Publishing permitem fazer ebooks com relativa facilidade.
Outra hipótese é, depois de se ter estabelecido o orçamento e cenários de vendas, optar por uma campanha de Financiamento Colectivo (crowdfunding). Nas campanhas de crowdfunding é estabelecido um valor objectivo (neste caso o custo de publicação do teu livro) e é pedido à comunidade que dê doações em troca de recompensas. Caso o valor objetivo seja atingido durante a duração da campanha, o livro é publicado, caso não seja, o dinheiro é devolvido aos apoiantes.
É muito normal campanhas de financiamento colectivo terem como recompensa exemplares do livro a publicar, funcionando na prática como uma pré-venda.
A PPL é a mais expressiva plataforma de crowdfunding em Portugal; Catarse e Kickante se estivermos a falar do Brasil; e o incontornável Kickstarter dos Estados Unidos da América, que é hoje em dia quase um sinónimo de “fazer uma vaquinha”.
Em suma
Há vários caminhos possíveis, mas também muitas armadilhas pelo caminho. A informação, como neste e outros artigos poderão ajudar os autores a afastarem-se de atividades menos éticas e escolherem uma boa estratégia para dar a sua obra a conhecer ao mundo.
E também há que ressalvar que não é por um autor começar com auto-edição que não possa mais tarde publicar através de uma editora, ou vice-versa. Basta para isso ter em conta o exemplo do Brandon Sanderson, famoso autor publicado nas maiores editoras de vários países, que fez uma campanha de angariação de fundos para a auto-publicação de uma série de livros que arrecadou 15,4 milhões de dólares em apenas 24h.
A próxima sessão do Clube de Leitores de Marvila vai acontecer no dia 16 de Julho, pelas 15h, e tem como tema “Clássicos”. A entrada é livre e estão todos convidados.
O que faz um clássico? Porque é que nem sempre encontram espaço no nosso coração? Os livros que fazem o cânone literário em discussão, numa comunidade de leitores sem vacas sagradas.
Vamos discutir livros, de ficção ou não-ficção, lidos ontem ou há anos atrás, que sejam, para nós ou para outros, detentores do título de clássico.
O convidado desta sessão é o Luis Filipe Silva, escritor, tradutor, editor, ensaísta e orador convidado em diversos eventos de literatura. É autor de diversos contos, estando o mais recente incluído no Assim Falou a Serpente. É ainda co-autor do Terrarium, por muitos considerado um clássico da ficção científica portuguesa.
Ao comprar livros através do nosso link, estás a contribuir com uma pequena percentagem (sem custo adicional para ti) para apoiar o projeto Imaginauta.
Na passada semana a Imaginauta lançou um questionário (se não preencheste, podes sempre fazê-lo AQUI) para tentar conhecer os escritores de ficção especulativa portugueses. As respostas a este formulário irão ajudar-nos a pensar mais e melhores actividades de promoção da ficção de género.
Tivémos 74 respostas até à data deste artigo, o que já nos deixa confiantes que será uma amostra minimamente representativa. Destes autores, 66 viram pelo menos uma das suas histórias publicadas, enquanto que 8 ainda não revelaram o que escrevem ao grande público.
Densidade criativa
A maioria dos autores que responderam ao nosso inquérito são da zona de Lisboa, sendo o segundo lugar o Distrito de Setúbal, com quase metade relativamente ao primeiro.
Ora, sabendo que o Distrito de Lisboa contém 22,2% da população portuguesa, podemos ainda deduzir que o número de autores está sobre-representado. Aceitamos teorias/hipóteses sobre esta distribuição.
Uma questão de género e geração
A maioria dos autores que respondeu ao nosso inquérito são do género masculino. Nos primeiros dias do inquérito a diferença era ainda mais dramática, mas foi diminuindo à medida que fomos partilhando o link de preenchimento do formulário, especialmente no Instagram.
Quando olhamos para as idades, ao contrário do que esperávamos, os adultos em idade “universitária” representam apenas 2,7% dos autores que responderam ao inquérito, sendo a maioria, com cerca de metade das respostas, os jovens adultos entre os 24 e 35 anos. À medida que vamos subido de escalão são registados menos escritores. Quererá isto dizer que em poucos anos iremos ter uma quebra de escritores? Ou que é algo que se vai desenvolvendo com o tempo e que desperta com a idade?
Sub-géneros e formatos.
Nesta pergunta, os autores podiam escolher mais do que uma hipótese. A fantasia, confirma-se, continua a ser dos géneros mais fortes em Portugal, seguido do Terror, Ficção Científica e, por fim, a História Alternativa. Quando analisamos por género, encontramos uma surpreendente prevalência de autores de terror do género feminino, ao passo que, em proporção relativa, são os homens que mais escrevem História Alternativa. A Ficção Científica tem uma proporção maior relativa de escritores de género masculino bastante superior à de escritoras de género feminino.
A esmagadora maioria dos que responderam ao inquérito tanto contam histórias no formato conto, como romance. Outras expressões como BD, Guiões para cinema/teatro, poesia ou jogos estão ainda bastante sub-representadas. No entanto, aqui poderá haver um efeito vincado da amostragem, isto é, a Imaginauta tem desenvolvido actividades essencialmente para escritores de conto/romance, pelo que é normal que possam existir outros autores que contem histórias noutros formatos que não tomaram conhecimento deste inquérito.
Escritor tipo
Em tom de provocação, com os dados que temos, podemos traçar um retrato do “escritor tipo”.
Trata-se de um homem entre os 24 e 35 anos, residente em Lisboa, com pelo menos uma história publicada (conto ou romance) do género Fantasia.
Claro que isto não passa de um exercício estatístico, mas aponta-nos para uma direção que merece reflexão. Porquê estes resultados? Que outros fatores poderão estar detrás, menos óbvios?
Por exemplo, poderá haver autores que não se considerem “escritores” por não terem ainda nada publicado? Ou será que apenas os romancistas e contistas se identificam como “escritores”?
Poderá a concentração de eventos em Lisboa levar que se criem comunidades de autores que se apoiem, enquanto que no resto do país isso não acontece?
Que perguntas deveríamos ter feito para traçar um retrato melhor?
O seguinte artigo corresponde à visão pessoal de Carlos Silva. Aceitam-se sugestões de correcção ou melhoria.
O epifenómeno
Outubro de 1999 é discretamente lançado pela Presença na sua recentemente criada coleção Estrela do Mar um livro que marca a grande revolução do mercado literário de ficção especulativa. Estamos a falar, claro, de Harry Potter e a Pedra Filosofal.
Em 2001, a primeira edição do Prémio Branquinho da Fonseca — Expresso/Gulbenkian dá a conhecer as Crónicas de Allaryia, o começo de uma saga de fantasia medieval de um então autor jovem e estreante: Filipe Faria. Ao total, foram 60 000 exemplares vendidos, algo impressionante e dificilmente ultrapassado até aos dias de hoje.
Em 2002, sai o primeiro filme que adapta o clássico Senhor dos Anéis (na altura editado pela Europa-América).
A conjunção destes lançamentos , cuja popularidade retro-alimentou o hype de uns aos outros, causa uma corrida entre as editoras nacionais em busca do próximo best-seller e insuflam a vontade de publicar dos autores nacionais, que veem um investimento em novos nomes portugueses dentro da ficção especulativa. É neste movimento que surge Bruno Matos com a trilogia Os 5 Moklins (2001), Inês Botelho com a trilogia O Ceptro de Aerzis (2002), Ricardo Pinto com a trilogia A Dança de Pedra do Camaleão (2003), Sandra Carvalho com A Saga das Pedras Mágicas (2005), Madalena Santos com a saga das Terras de Corza (2006) e Rafael Loureiro com a trilogia Nocturnus (2009).
Curiosamente, e em contra-corrente, os Encontros de FC&F “Na Periferia do Império” em Cascais, que ocorreram entre 1996, gerando diversas antologias bi-lingue com autores nacionais estrangeiros, chegavam a um fim em 2001. Fontes internas dizem-nos que a direção não era grande fã de fantasia, o que motivou que o evento não apanhasse a onda deste género que ganhava força.
Antologias organizadas no âmbito dos Encontros de FC&F “Na Periferia do Império”
Também por esta altura, em 1999, Prémio Editorial Caminho de Ficção Científica, que ocorria desde 1982, anuncia o seu último vencedor, marcando o fim da Colecção Caminho de Ficção Científica (1984 – 2001), com o total de 99 obras, dando a ideia que a explosão do interesse na fantasia, de certa maneira, sufocou a ainda pouca FC que se publicava em Portugal. Outro factor que pode ter contribuído para esta morte foi a falência da Diglivro/Transdig, a maior distribuidora em Portugal na altura que, entre outros, tinha clientes como a Editorial Caminho, a Oficina do Livro, ou as Publicações D. Quixote. Em 2008, a Caminho é assimilada pela sociedade gestora de participações de capital Leya, e há relatos dos exemplares que ainda existirem nos armazéns da editora serem guilhotinados.
Entre 2001 e 2003, António de Macedo, lança um conjunto de livros de autores clássicos em conjunto com outros mais modernos à qual chama “Bibliotheca Phantastica” através da editora Hugin. Porém, não é uma iniciativa que tenha marcado o panorama nacional, na altura a levantar vôo noutras direcções.
A Saída de Emergência
Em 2003 surge a Edições Fio da Navalha (uma referência ao Blade Runner?), que em 2006 muda para o nome que conhecemos hoje: Saída de Emergência. Uma pedrada no charco, já que a editora se apresentava como um projeto dedicado à Ficção Especulativa, primando por títulos mais orientados para o público jovem-adulto, ao invés do marketing infanto-juvenil ao qual as restantes editoras do mercado pareciam presas na altura.
Outra inovação que trouxe ao mercado foi a proposta de antologias de contos temáticas, que prometiam trazer oportunidades a novas vozes, num formato mais curto e, porventura, mais acessível à legião de jovens que viam uma chance de começarem a sua carreira no mundo da escrita. À primeira antologia Sombra Sobre Lisboa (2007) seguiram-se outras como A República Nunca Existiu! (2008), Os Anos de Ouro da Pulp Fiction Portuguesa (2011) e Lisboa no Ano 2000 (2013), o último dos títulos neste formato. Nunca foram bestsellers, mas cumpriram a missão de gerar animação no meio literário de ficção especulativa e cimentavam a posição da Saída de Emergência como principal editora de ficção científica e fantasia do mercado português.
Outra grande aposta da Saída de Emergência foi o prolífico David Soares, com a publicação e forte promoção de diversos títulos deste autor, iniciando com a publicação de Os Ossos do Arco-Íris (2006) e acabando com Batalha (2011). Outro autor destacado pela Saída de Emergência foi Bruno Martins Soares, cuja saga de Alex 9 viu a edição definitiva em 2012.
Alguns livros de David Soares
Em 2008, esta editora cria o Prémio Bang! Para Literatura Fantática, cuja primeira edição não teve vencedores, justificada pela falta de qualidade das obras submetidas (algo que caiu bastante mal na comunidade de ficção especulativa). Tal foi o trauma que a única outra edição deste prémio apenas ocorreu em 2015, aquando da tentativa (entretanto falhada) da Saída de Emergência expandir para o Brasil. A obra vencedora foi a Balada de Antel (2016), curiosamente de um autor brasileiro. Infelizmente, não foi um livro com muito impacto, talvez ajudado pela dificuldade de promover um autor do outro lado do Atlântico. Quem sabe se em 2024 há nova edição do prémio, cumprindo o padrão de 8 anos entre cada edição.
Com o sucesso da saga As Crónicas de Gelo e Fogo (adaptado para a série televisiva Guerra dos Tronos) e com o alargamento do catálogo para a auto-ajuda e romance histórico, a Saída de Emergência foi ganhando quota de mercado, tornando-se uma das grandes editoras independentes portuguesas. Infelizmente, a aposta em autores nacionais decresceu proporcionalmente.
Em 2002 surge a revista Dragão Quântico, fortemente associada a Rogério Ribeiro (um dos nomes mais constantes da divulgação da ficção especulativa portuguesa) que teve 5 edições até 2005 e cujos conteúdos deram origem ao número zero da Revista Bang! (2005 – atualidade).
A Revista Bang! conheceu vários formatos, de revista à venda em livrarias, a edição online, até finalmente se fixar como uma edição distribuída em parceria com a FNAC. Inclui, entre outros, ensaios, entrevistas, antevisão de lançamentos e contos (lamentavelmente, cada vez menos).
Atualmente, na sua demanda por bons autores portugueses (cujo responsável Luís Corte-Real diz haver em falta), a Saída de Emergência decidiu procurar internamente e descobriu as histórias de Benjamim Tormenta (2021), escritas por Luís Corte-Real.
Foi também este período que viu nascer a Livros de Areia que na sua curta existência publicou livros com um marcado trabalho gráfico e cunho editorial forte, trazendo autores que se destacavam as restantes escolhas literárias das restantes editoras. Outro projecto curto foi a Antagonista que apesar do começo estelar (marcada pelos livros duplos que traziam duas noveletas numa só edição) foi apanhada na curva pela segunda grande falência de distribuidoras com o fim da Contra Margem em 2012. No mesmo ano faliu também a CESodilivros, na altura a maior distribuidora de livros em Portugal.
No campo da auto-edição, talvez um dos melhores exemplos é Goor – A Crónica de Feaglar I (2006), cujo spin-off conheceu uma publicação pela Editorial Presença, uma editora tradicional, com o título O Regresso dos Deuses – Rebelião (2011), prova da procura dos editores por este tipo de histórias.
De referir ainda O Filho de Odin (2006) considerado por muitos um dos piores (e mais hilariantes) livros de ficção especulativos publicados em Portugal, talvez consequência da falta de trabalho editorial na altura causado pela fome de encontrar o “novo Harry Potter”.
O annus mirabilis das fanzines
Se bem que já houvesse exemplos de fanzines em circulação, como o Dragão Quântico que falámos anteriormente, a Bang! ou a Dagon (2009 – 2013, 6 edições), Conto Fantástico (2010 – 2012, 3 edições), foi no ano de 2012 que se viu uma explosão de publicações do fandom de uma extensão que nem me tinha apercebido antes de escrever este artigo.
Com o abrandamento do investimento impetuoso inicial das grandes editoras em ficção especulativa (com um grande foco na fantasia), a comunidade de leitores e escritores começou a recorrer à iniciativa própria para dar palco aos textos dos escritores que haviam crescido à sombra da leitura de autores portugueses publicados por grandes casas. Em termos temporais, um adolescente de 12 anos na altura do epifenómeno do Harry Potter/Allaryia/Senhor dos Aneis, teria agora 19 anos e capacidade para organizar este tipo de iniciativas.
Vieram a público a Nanozine (2011 – 2014, 11 edições), a Revista Lusitânia (2012 – 2014, 3 edições), a Volluspa (2012), a Fénix Fanzine (2012 – 3 volumes), a Trëma (2012) e Almanaque Steampunk (2012 – 2019), este último associado ao evento EuroSteamCon e que já passou por várias mãos e associação a diferentes eventos. Em termos de projetos internacionais com cunho português destaca-se a ISF .
Capas de fanzines lançadas na época
Entre 2013 e 2017, um grupo de jovens autores portugueses dinamizou o site Fantasy&Co, publicando diversos contos de ficção especulativa com uma frequência exemplar, gerando diversos ebooks temáticos que ainda hoje estão disponíveis.
No entanto, apesar de toda esta produção, não tenho registo de algum autor que tenha saltado das fanzines para a produção literária para grandes editoras. Não por falta de qualidade, acredito, mas porque o mercado estava a fechar-se às submissões espontâneas e autores desconhecidos.
Imaginauta, Divergência e Velha Lenda
Em 2014 , partindo da experiência na edição de fanzines e motivado por este fechar de portas, emergem dois projetos editoriais no seio da comunidade: Imaginauta e Divergência.
A Imaginauta surge com duas vertentes, uma editorial e uma de organização de eventos. Na vertente editorial, é desenvolvido o mundo partilhado do Comandante Serralves, onde vários escritores são convidados a construir, cada um escrevendo os seus contos, um universo consistente, explorando diversas facetas do mesmo conjunto de personagens e eventos partilhados; na vertente de eventos, iniciou-se com A Noite de Lorde Byron (que mais tarde deu origem ao It’s Alive!). Ao longo dos anos foi publicando antologias temáticas como a Antologia Ficção Especulativa Queer e Lisboa Oculta – Guia Turístico, e romances de autores como Pedro Galvão, com A Última Vida de Sir David e Fausta Cardoso Pereira, com Dormir com Lisboa.
Alguns dos livros da Imaginauta
A Divergência, por sua vez, também editou as suas antologias temáticas e novos romances, tendo-se desmultiplicando em projetos paralelos de distribuição, serviços editoriais para publicação on-demand, editoras de não-fição e ficção corrente, que permitiram o projeto crescer. Em 2019, aquando da publicação da saga de Michel Alex, mentor da Custom Circus, a Divergência encontra um parceiro de peso, instalando-se no parque de cultural alternativa Nirvana Studios.
Em 2020, surge a Velha Lenda, que apesar de não ser exclusiva para ficção especulativa, apresenta-se como uma opção viável para os autores que procuram publicar de modo tradicional.
Estas editoras, apesar do seu tamanho, têm carregado a tocha da publicação consistente de ficção especulativa em Portugal. Apesar de alguns exemplos isolados, como os recentes Conta-me Escuridão (2021) ou Aquorea (2021), há uma falta de estratégia concreta ou catálogo dedicado na generalidade das editoras para a ficção especulativa portuguesa.
Os eventos
Paralelamente à atividade editorial surgiram também os eventos especializados em ficção especulativa literária e os prémios que tanto servem de ponto de encontro como de palco para novos projetos.
O Fórum Fantástico (2005 – actualidade, 14 edições) é um nome incontornável e ao longo dos anos trouxe autores estabelecidos, iniciantes, nacionais e estrangeiros. O evento teve várias equipas, incluindo Safaa Dib (editora da Saída da Emergência e responsável por alguns dos melhores números da revista Bang!), mas há um nome que se manteve constante: Rogério Ribeiro. Em paralelo, Rogério Ribeiro organiza mais esporadicamente as Conversas Imaginárias (2009 – 2015).
Nos anos de 2012 e 2013 um grupo de fãs do Porto (Clockwork Portugal) organizou duas edições da EuroSteamCon, um evento que acontece deslocalizado um pouco por toda a Europa, que ajudou a cimentar o Steampunk como género em Portugal. Em 2015 houve uma edição organizada pelo grupo informal Corte do Norte e, durante pelo menos duas edições, as festividades estiveram associadas ao Fórum Fantástico organizadas pela Liga Steampunk de Lisboa. Hoje em dia, o principal evento do género é o Festival Vapor, que conta já com duas edições em 2018 e 2019, promovido pelo Museu Ferroviário no Entroncamento.
Desde 2014, inspirados pelos lucros obtidos nas grandes convenções de cultura pop internacionais, que a Comic Con Portugal é organizada anualmente. Primeiro no Porto, depois Oeiras e finalmente Lisboa, este evento conta já com uma mão cheia de edições. A parte dedicada à literatura é pequena, e a dos autores portugueses ainda mais obscura. A equipa ligada ao projecto alterou-se ao longo do tempo, tendo-se notado um degradar do evento, mas há a esperança que a organização saiba ouvir as críticas e alterar o que não está a resultar.
Partindo de algumas experiências mais pequenas, e talvez motivados pela Comic Con, em 2016 surgiu o SciFiLx, um projecto amador com vontade de crescer que reunia no edifício do Instituto Superior Técnico as comunidades ligadas às várias expressões da ficção especulativa. Infelizmente, as dores de crescimento ditaram o fim deste evento ao fim de 3 edições, em 2018.
Cartazes de festivais com presença de literatura de ficção especulativa
Nesse mesmo ano, aproveitando o vácuo que o evento deixava, surgiram o Festival Bang! (2018 – actualidade, 2 edições), organizado pela Saída de Emergência para promover o seu catálogo, e o Festival Contacto (2018 – actualidade, 4 edições), organizado pela Imaginauta, em prol da comunidade de ficção especulativa, assumindo-se como um ponto de encontro entre diferentes fandoms e gerações.
Completamente diferente dos demais, os Mensageiros das Estrelas (2010 – actualidade), que já vai na 6ª edição, destaca-se por ser um evento internacional focado em apresentações académicas.
Mais recentemente, e também numa vertente mais académica, desde 2019 é organizado anualmente o Encontro Internacional de História Alternativa «E Se?..» no Porto, que se foca na História Alternativa, um género da ficção especulativa que não tem muitos títulos portugueses, mas que é bastante acarinhado por muitos. O evento é organizado por AMP Rodriguez que também é a grande dinamizadora da antologia Winepunk, que reimagina o periodo da “Monarquia do Norte” (1919) movido a tecnologias vínicas.
Prémios
Com o fim dos Prémio Caminho de Ficção Científica, e perante a incapacidade de se organizar uma votação interna para os prémios da European Science Fiction Society, a comunidade da ficção especulativa ficou largos anos sem um galardão para promover e recomendar as histórias que iam sendo criadas.
Para colmatar essa falha, em 2014 o colectivo Trëma (mais tarde assumido pela organização do Fórum Fantástico) criou o Prémio Adamastor para premiar as obras (romance, conto, banda-desenhada) publicadas no ano transacto à votação. A iniciativa, muito meritória e feita com boas intenções, sofre de falta de um registo user-friendly que permita aceder ao seu historial passado e dificuldade em projectar-se para fora do núcleo mais duro dos fãs de ficção especulativa, para se afirmar como um galardão forte e representativo do género.
A Divergência criou também o seu prémio em 2015, primeiro chamado de Prémio Convergência, depois de Prémio António de Macedo, em homenagem ao cineasta e escritor. Este prémio elege o melhor romance submetido à editora em cada edição, oferecendo não só a edição do mesmo, como um prémio pecuinário.
Numa tentativa de fazer surgir um prémio que abrangesse diversas entidades, a Imaginauta estabeleceu em 2019 o Prémio Ataegina onde um júri representante de diversos projectos (em 2022: Imaginauta, Divergência, Fórum Fantástico, um elemento independente e o The Portuguese Portal of Fantasy and Science Fiction) selecciona o melhor conto submetido para a edição do mesmo. Para além de um prémio com valor monetário, o conto de cada vencedor tem sido publicado pela Imaginauta em parceria com o The Portuguese Portal of Fantasy and Science Fiction.
Vencedores das três edições (2021, 2020 e 2019 respectivamente) do Prémio Ataegina
Tanto o Prémio Ataegina como o Prémio António de Macedo têm cumprido o seu papel de motivar os escritores de ficção especulativa, tendo a cada ano revelado novos talentos à comunidade. No entanto, ainda há trabalho a ser feito a nível de alcance e valor atribuído como prémio.
E agora, como estamos?
Ao longo destas duas décadas, o lugar conquistado pelos autores de ficção especulativa portugueses nas grandes editoras foi-se esbatendo numa “regressão à média” normal de quando se observa resultados fora do comum.
Ao mesmo tempo, o desenvolvimento da tecnologias (sim, no mundo dos livros também há tecnologia) e do mercado possibilitaram o aparecimento de pequenas editoras que, embora de alcance limitado, têm mantido a chama acesa no que, de outro modo, seria uma noite escura da edição de ficção especulativa portuguesa.
As fanzines, por seu lado, embora ainda continuem fortes no mundo da BD (e mesmo assim não tanto como antigamente), perderam o momento. Há falta de formatos leves e mais imediatos como as revistas proporcionam para potenciar que os autores se conheçam, se leiam, e partilhem as suas histórias com o público. É-me surpreendente como num mundo de conteúdos cada vez mais efémeros e rápidos o conto não esteja no pódio de entretenimento que seria de esperar.
Ainda é cedo para reflectir sobre o assunto, mas a afirmação das redes sociais tem trazido também mudanças para o mundo dos livros. Autores charmosos e com planos de marketing fortes (que passam muitas vezes por criar uma relação de empatia com os leitores e redes de influência com outros criadores) têm oportunidades maiores de projectar os seus livros para as bocas do mundo do que no início do milénio.
O exercício de prever o futuro ou realidades alternativas é sempre considerada uma actividade fútil, mas é para nos entretermos com essas ideias que nós os fãs de ficção especulativa aqui estamos.
Por isso, aqui vai a pergunta: Quais serão os formatos e tendências da ficção especulativa nos próximos 20 anos?